Lula Marques/Folha
O processo de exclusão de Henrique Meirelles do “novo” primeiro escalão revela: ao menos num setor, a cozinha, a gestão Dilma descontinuará o governo Lula.
Sempre que um auxiliar converteu-se em problema, Lula fritou-o em fogo brando. Antes mesmo da posse, Dilma aposentou a frigideira.
Há uma semana, Meirelles imaginava-se nomeado para mais um ciclo à frente do BC. Àquela altura, Dilma já havia começado a aquecê-lo.
Meirelles viu-se espremido entre duas realidades. Numa, virtual, havia o interesse de Lula em que fosse mantido. Noutra, real, o desinteresse de Dilma.
Julgando-se cacifado, Meirelles arrastou uma ficha cara ao mercado: a autonomia operacional do BC. Dilma converteu a astúcia em bode.
A presidente já havia acomodado sobre o pano verde o nome de Alexandre Tombini. Simulou contrariedade com a “imposição” de Meirelles. E girou o botão do forno.
Avisado por Antonio Palocci da pseudoirritação de Dilma, Meirelles tentou prover em público explicações para a condição que expressara sob o anonimato.
Disse que Dilma, ela própria defensora da autonomia, o havia convidado para uma conversa na qual seu futuro seria decidido. Em verdade, já estava bem passado.
Diretor de Normas durante reinado de Meirelles no BC, Tombini ajudara a construir, sob FHC, o modelo de metas inflacionárias.
Antecipou-se uma pergunta do mercado: o que é que o doutor Meirelles faria que Tombini não seria capaz de replicar? Para Dilma, nada.
A dona da caneta só recebeu Meirelles depois de ter levado o nome do substituto às manchetes. Conversaram por pouco mais de duas horas.
A conversa entrou pela madrugada desta quarta (24). Pela manhã, de passagem pelo Senado, Meirelles soou como se não tivesse percebido o que sucedera com ele.
Atribuiu o desembarque do BC a uma “decisão pessoal”. Errou de pessoa. A sentença foi de Dilma, não dele.
Afirmou que sai “na hora certa”. Lorota. Meirelles perdeu a sua “hora Marina”. Vale recordar a passagem.
Lula anunciou um plano de desenvolvimento da Amazônia. Concebera-o Marina Silva, a ministra do Meio ambiente. Porém...
Porém, Lula confiou a execução da novidade a outro ministro: Roberto Mangabeira Unger.
Ao perceber que virara tempero, Marina exonerou o governo de sua biografia. "Perco o pescoço, mas não perco o juízo".
Tomado pelo que disse no Senado, Meirelles demora-se em recobrar o juízo. Perguntaram-lhe se assumiria outro cargo ou se disputaria um mandato.
Meirelles não descartou nenhuma das hipóteses. Soou como se ainda acelentasse a expectativa de virar ministro. Uma saída que o PMDB se recusa a avalizar.
Assado, Meirelles brincou: "Meu pai se aposentou aos 92 anos e comentou comigo, depois, que achava que tinha tomado uma decisão prematura".
Sobram em Meirelles, ainda moço, vigor e competência para abraçar novas empreitadas.
Poupará o próprio tempo na hora em que perceber que seu futuro não está na Brasília de Dilma. Ali, salvo uma improvável reviravolta, sua conta foi fechada.
Meirelles poderia ter mimetizado Marina. Apostou suas fichas em Lula. E terminou inaugurando o microondas de Dilma.
Escrito por Josias de Souza às 23h26